Blog do grupo O Decadentismo na Poesia Brasileira idealizado pelo professor Fernando Monteiro de Barros da UERJ-FFP. Este espaço é destinado a todos que amam a Literatura e, sobretudo, a poesia. Bem-vindos e evoé palavra!!!
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Gárgula
Vós que ris dos próprios tormentos
que ornam de cores as torpes desgraças
adejando sorrir dos mais vis lamentos
lábios escancarados, gargalhadas devassas
plebe fútil, tosca, ignóbil, odiosa
de sonhos épicos e obviedades em par
multidão de moral leve e tão majestosa
quanto palácios de areia erigidos frente o mar
infeliz, eu, que em triste vida
vi-me cercado de figuras tais
no âmago corroi-me essa chaga, ferida
que rubra e pútrefa, provoca-me ais
Vocifere! Epopéia maldita! Grotesca completude!
Dance o bovarismo incongruente, insatisfeito em sua ruína
Clame ao transcentende surdo sua sacietude!
Pois ao longe verei tua desgraça, devorada por aves de rapina
Soares
tela: "Wounded Bird and Cat" Pablo Picasso, 1939
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Negrume
domingo, 31 de outubro de 2010
Fantasma da noite
Sugo do sangue a poesia,
suave serpente malígna.
Sugo-a até à melancolia
nesta busca insana e indigna.
Seguramente sei que és vil.
Seguramente sei que és poderosa,
assassina, cruel, magnífica, atroz, crível,
seguramente sei que me mata.
Ouço o furor de sinos eternais
como um templo dentro de minh'alma.
Seus pilares já não suporto mais:
cravados estão meus dentes numa doce garganta.
Sugo do sangue a poesia.
Sou um fantasma da noite...
Seguramente sei minha profecia:
seguir o Ideal, trazendo à boca um açoite.
* Tela: Salvador Dalí - Cabeça de nuvens
la langue et les dents
Soares
tela: "Apollo and the Nine Muses" Gustave Moreau (1856)
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Casa-Grande e Senzala
Choram os escravos, morta a baronesa!
Na casa-grande o cantochão ecoa...
Prostrada, a escravaria sempre acesa
Lamenta o fim de sua sinhá tão boa...
Envolta em sua mortalha de mantilha
Revive os ritos destes hemisférios...
E suas mucamas, postas em quadrilha
Não se levantam deste chão de ferros...
No salão-mor, em suas escadarias
Fulge o barão, entre tapeçarias
E vasos de cristal e porcelana...
Seu porte esplêndido na sombra flana
Enquanto o esquife desce para a tumba
E morcegos maus voam na catacumba...
À memória de minha tataravó materna, Brazilia Eugênia Nogueira de Almeida, baronesa de Guaraciaba
Fernando MB
Vermelho-Sangue
De um relógio sem fim.
Não sei em que estrada de tempo
A vida se perdeu,
Só sei que das vagas
(por onde resvalam as horas)
Há o resquício primordial do início-desfecho
De todas as coisas.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Malsã
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Anunciação
sábado, 9 de outubro de 2010
Brujería
Velas acesas, em meio ao cruzeiro
Ele ajoelha-se, o rosto contrito
A conjurar com seus traços riscados
Cabalas sáfaras de um velho rito
A dama loura sai de seu sarcófago
Vai passear no chão do cemitério
Vem sequiosa, qual onça no cio
Na altivez de seu esplendor funéreo
Lábios proferem orações em rima
Tridente em punho, a dama se aproxima
À meia-noite, na hora aprazada
E ele treme, em ondas de desmaio
E cai, como atingido por um raio
E de sua boca sai uma gargalhada
* Quadro: Dante Gabriel Rossetti, "Lady Lilith" (1868)
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Rapsódia
Dentro da noite, em graves rapsódias
Em mim resvalas, a me beber lepidamente
A passear tua pele em minha pele
A desfolhar, suavemente, as minhas pétalas
Sarças de fogo queimam com doçura
A açular os cães que sempre caçam, lestos
No ermo das florestas, prenhes de mugidos
Quanto a mim, enfim sigo sepultado
Entre penumbras, nas garras tremendas
Em suspiros naufrago, e novamente morro
Anjos explodem, caem pelos céus
Faunos gargalham, trocam seus anéis
Centauros trotam, soltos nos abismos
Mármores racham, cerram os mausoléus
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
A palavra nua
Escrevo por linhas indecisas
em folhas feitas de tempo.
O verso tem a força de um sonho.
A dor é profunda como a noite.
O sofrimento é lento e brando.
O meu amor é o amor do mundo.
O meu medo é o medo do mundo.
Dentro, a fome, a falta, o sussurro.
Fora, a fúria, a farsa, o princípio.
E, no meio, a palavra nua.
Matiz
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Luxe
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Las Vampiresas
A sombra morro-porque-não-morro ilumina
Suas partes escuras não estão assim encovadas
A las vampiresas les amam hacerla sufrir
Por supuesto la sangre vital les faltan
Aunque se le ocurran las películas más raras
O cinematógrafo refazendo a capital imperial
A não acertar em cheio as telhas feridas nas coxas
Porque a cidade se modernizou e não perdeu
A alma apesar do bota-abaixo, resiste
Não foi possível sanear os subterrâneos
Com as deusas e deuses clamando por saciedade
À mesma medida que nascem nos outros a morte
Que não limitam a minha, a tua fome
A lua no cinematógrafo muda em preto e branco
Cada matiz de vermelho de bom gosto
O corpo a pedir mais em nome da legião faminta
De novidades e reencarnação tu regozijas
Ao sabor das cortesãs de sempre.
domingo, 3 de outubro de 2010
ENCANTAMENTO
sábado, 11 de setembro de 2010
Perfume
domingo, 5 de setembro de 2010
UBER
Quando te espero passar, em imundície velada,
suponho que é a tua alma infame,
que exala essa emanação encantada.
E eu, ébrio de paixões, suplico-te que me ame.
Quando, de súbito, esgueirando-se lúbrica,
como gata no cio, tu me fitas,
com olhos de Medusa, tua finalidade única
é enlevar-me a alma e a lucidez, de ti cativas.
Quando me entrego à influência malígna
de tua Volúpia a enlaçar-me como serpente,
preso às flores do Mal de que és insígnia,
adivinho o vil intento de tua sórdida mente:
"Quando te persigo neste afã que comigo trago,
o teu frescor é o meu desejo, jovem mancebo,
com ares de Judite transfigurada, meu doce apaixonado,
arranco-te o coração e dele, o sangue bebo."
* Tela Judite e Holofernes de Caravaggio
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
aliá
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
lune
sábado, 7 de agosto de 2010
quarta-feira, 21 de julho de 2010
À l'hotel blafard
segunda-feira, 19 de julho de 2010
L'amour
Exumo com afinco teu sorriso perenal
de arcada branca perolada
Deixo entronizada em terno pedestal
a verve taciturna de tu’alma
Teu olhar estético, estático
Teu falar pálido, cálido
Teu pensar absorto, absurdo
Teu tédio esguio, estio
Alcançar-se-ia eterna beleza
se ainda respirasse?
Lançar-me-ia em sangrenta incerteza
se teu lânguido corpo eu não mais velasse
Não apenas és minha em Marienbad
cultuo-te, louvo-te
És também minha em Frederiksbad
aos poucos, sorvo-te
Dos séculos eternos serás simulacro
o teu fulgor a pura arte evoca
dotada é tua existência morta
quinta-feira, 15 de julho de 2010
"El Conde"
Os ventos uivam ao redor do conde...
No alto, a noite esconde os esplendores...
Gládios e facas vão-lhe abrindo, aos montes,
O sortilégio de sombrios amores...
Nada restou, o espelho se partira!
Ao longe, pios ouvem-se freqüentes...
De pé, e usando um broche de safira,
Deseja alguém em quem cravar os dentes!
A fronte dura e álgida rebrilha
Ao lamentar aquelas salas frias,
Os aposentos que seus pés percorrem...
E quando ouve os lobos da matilha,
Suporta em vão a tocha de agonias
Enquanto suas esperanças morrem...
Fernando MB
terça-feira, 13 de julho de 2010
"El Desdichado"
Ruflou sua capa ao sabor dos ventos
Na escuridão, um velho almanaque
Continha os cânticos de seus tormentos...
"Ó Deus! o fado de suas criaturas
É não saber, na errância, do porvir
Quisera o Céu, em suas ondas mais puras
Não ter deixado minha alma partir!"
Percorre, assim, as ruas, toda noite
Com seu rubi e seu anel de prata
A encontrar, nas frestas, o açoite...
No beco escuro, pela madrugada,
Vai saboreando os transes do martírio
Roçando os lábios no frescor de um lírio...
Fernando MB
sábado, 10 de julho de 2010
A carne
Não o conceito em si, mas como realmente atuá-lo.
Como se fosse algo de dentro de minha carne, eu processo a vida nas entranhas de minhas glândulas mortas. Sem rubor, sem pudor, eu contemplo horrorizada o efeito desse mecanismo no processo de minha putrefação.
Doo-me suavemente à tentação do Nada.
Se a vida se alimenta de mim, eu me alimento da morte e o verme, da minha carniça.
O meu sangue é o mais fino vinho, e o meu corpo é o banquete nupcial.
Que a noite seja nossa testemunha.
Venha, ó senhor dos túmulos, meu noivo, meu amigo, consumir-me a dor, a paixão, o ventre, os olhos. Venha infunfir-me teu veneno. Venha consumir-me a carne.
Venha, pois nossa única certeza é a morte, e na arte cênica de atuarmos a vida somos maus atores.