terça-feira, 10 de julho de 2012

...pomme...




Se é por certo a mortandade
e por errado a vaidade, 
que se quebrem os espelhos 
que se fique só a vil vontade



O desejo que desde o Éden seduz
exsudou-nos e trouxe a brevidade.
É ele a mola que empurra e conduz
paços e passos da humanidade.



Não vive pois o homem sem algo a invejar 
sem sedução que lhe roube a noite malsã.
Engodo aliciante tem aquele que desejar
ter mais motivos para despertar amanhã




Soares



º tela: Anita Malfatti, A ventania (1915)


quinta-feira, 19 de abril de 2012

Cinegética




Minha amada, calipígia, cansada dos valores burgueses
de obviedades torpes, e reveses mui constantes
arrancou as órbitas tonitruantes outrora tão brilhantes
colocando-as em uma caixa incólume de brincos dinamarqueses



Ei-la agora espúria, sensorial
contra a moral encanecida, caquética
Observa o bem e o mal
picardias pictóricas, cinéreas, sinestésicas



Justine dos ideais sádicos
Pandora de sonhos destruidores
Salomé dos desejos fálicos
Moira de futuros transgressores



Minha amada, enfática, me imagina, blasè, daimonômica, encantada
Sente de mim o odor putrefato da carniça prístina ensaguentada
Tateia meu peito, retira o punhal periclitante e dança inebriada
Percebe agora que tudo enxerga e sorri com arcada jocosa, escancarada


Soares


para Mona Lazar

* tela: Nu assis sur un divan (La Belle Romaine) de Amadeo Modigliani.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Simulacro



Em onírica flor derramada está minha alma
Em glórias repousa, querendo fulgor e louros
É ela choros e torpor, lírica dotada de calma
É ela dotada de calma lírica, torpor e choros

Em alma derramada está minha onírica flor
Em fulgor repousa, querendo glórias e louros
É ela lírica de choros dotada, calma e torpor
É ela torpor e calma, lírica dotada de choros

Em alma onírica minha flor está derramada
Em louros repousa, querendo glórias e fulgor
É lírica ela de choros, calma e torpor dotada
É ela calma dotada de choros, lírica e torpor

Em flor alma está minha derramada onírica
Em querendo repousa louros, glórias e fulgor
É ela dotada de choros e torpor, calma lírica
É choros ela e lírica, calma dotada de torpor


Soares

para os professores Maria Cristina Ribas e Fernando Monteiro de Barros

sábado, 9 de julho de 2011

corde






ornamento de loucos
Tu és, oh amada
liberdade de poucos
Tu és em vanguarda


enrosco o meu pescoço ao teu
sem ajuda de carrascos vis
terás o meu sangue plebeu
vertido em tons carmesins


ornamento de poucos
Tu és, oh corda trançada
liberdade de loucos
Tu és em vanguarda


sem ajudo me caio
para a força da forca
minha carne, soslaio
pendular balança solta


ornamento de vanguarda
Tu és, oh deusa cruel
liberdade trançada
Tu és em castigo revel


cá estou com a gravata
que balança ao som das mortes
és, oh corda, da forca a bravata
que se estende em miríades sortes


ornamento de loucos
Tu és, oh amada
liberdade de poucos
Tu és em vanguarda



Soares


para Gustavo Abreu e Renato Rivello

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Réquiem




Eis o trôpego baço a flanar
pelas ruas de luas escuras
põe-se ébrio e tonto a dançar
chora em pingos a sua amargura


Para o corpo não hás de voltar?
Viverás em profanas agruras?
E se a morte vier a cobrar
faltas graves também obscuras?


Deixem ele que em triste acabar
solta leve as próprias ternuras.
Ermitão na cidade a cantar
canções vagas de muitas canduras


E da Torre que vai se lançar
vê Paris e as luzes seguras.
Sorve a torpe lufada de ar
e se joga em doces torturas


Soares


para Rozalvo Canella e Érika Klein

Fantasma




quero a arte e o prazer
o berro, o maldizer
a morte, entardecer
e sinéreses lamber


quero a boca arregaçada
revel e descarnada
sutil, escancarada
voraz e estuprada


quero Anjos nada Augustos
saciar-me em grandes bustos
em repastos e arbustos
apoplexo de sustos


os hiatos funéreos da contradição
que revelam e voam tal anú
deixam em sangue a conclusão:
ao escrever o poeta fica nu


então arte, boca, seio e prazer
anelam-se todos na vida esganiçada
em espíritos flácidos e robustos
em vielas sujas de borrão
em mim, nós e tu
em furor e dor e voz e fel
queime a louca letargia
traz-me o ócio menestrel


soares

tela: O Grito, Edvard Munch, 1893


terça-feira, 21 de junho de 2011

Geena






Eia Jezabel, transgrediremos nós no Inferno?
Não vês as almas em esparrelas aqui derramadas?
Transgressores não somos nesse vulcânico inverno
Somos meros, ralos, somados a doxas regaladas


Nem lésbicas, sodomitas, flâneur, dândi, Pandora
Não nos sobra em tempo a sutil originalidade
Resumiram-nos em figuras benditas d´outrora
Resumiram-nos em traços de redil anormalidade



Urge em nós a revelia
glória sórdida fugidia
clama fria a euforia
pecado herege um dia



Eia Jezabel, os sulcos das vinhetas estão sem viço!
Como hei de ver o Hermes do teu fabuloso busto
se a plebe possui reflexos de um nobre cortiço?
Escrínios vazios, brilhantes sem brilho por susto...



descarnados estamos do prazer
reduzidos a clangores internos
segredos inauditos estão a dizer
mataram os mistérios eternos



Eia Jezabel, minha alma sangra por falenas
que um dia vociferavam em cópulas amenas.
Hoje, barregãs floridas são escravas de novenas
em sufrágios, peanhas, comuns atos, cenas



Ah, amada Rainha de Baal
bebamos do negro castiçal
Se em nada podemos atiçar o mal
a arte Morre em anástrofe carnal



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Eia Jezabel, os cães que te devoram nua
uivam a suculência de begônias malditas
são dignos de tua vítrea carne crua
em banquetes de esfumaçadas pecitas


Nem lésbicas, dândi, Pandora, flâneur, sodomitas
Não nos sobra em tempo a originalidade sutil
Resumiram-nos em figuras d´outrora benditas
Resumiram-nos em traços de anormalidade redil


soares



tela: Hercules and the Lernaean Hydra, Gustave Moreau,1876