quinta-feira, 26 de agosto de 2010

lune



Ai de mim que na alcova
contempla a fria Pérola alva
a esgueirar-Se no manto negro manhosa
Oh Deusa noturna que amantes salva

Ai de mim que de tosca e vil distância
enamora a Medéia crepuscular
as estrelas que Te seguem bem sabem a infâmia
que causei no recôndito, a contemplar

Ai de mim que persevera em tal grandeza
ideal inalcançável, spleen’s intermitentes
conservarás eternamente Tua beleza
enquanto de velho hei de ver cairem-me os dentes

Ai de mim que no possesso almeja esperanças
do amar-Te, beijar-Te com prazer
bem sabem os ébrios, andarilhos e crianças
que esfumaças-Te ao amanhecer


 Soares

quarta-feira, 21 de julho de 2010

À l'hotel blafard


- Simulacro de um simulacro - pensei,
ao ver teu braço de mármore,
presa nos espelhos da memória,
bela e fria como uma flor de estufa.
Por muito tempo te procurei:
em portas atrás de portas, em salões vazios,
em corredores sombrios, decorados ao gosto de uma outra época,
em câmaras labirínticas dentro de meus nervos túmidos.
Somos como duas estátuas
desconhecidas,
perdidas,
no vazio
de um jardim
suspenso e esquecido.
E que, em outra vida, ainda
choram a paixão apenas sonhada.
Num espetáculo estático, vozes sonolentas me sussurram
sons sôfregos e insensatos, cujos donos são fantasmas noctâmbulos que,
subitamente, de espanto são mudos.
Qual a decoração
inerte,
perene,
cadente,
eles me espreitam,
sombrias sombras,
feitas de querubins de marfim
com folhas mortas e rosas enrodilhadas
em botão, como pequenos cérebros apodrecidos, nesse hotel taciturno.
Filhos deste odioso castelo de uma época distante,
silencioso como um túmulo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

L'amour




Exumo com afinco teu sorriso perenal
de arcada branca perolada
Deixo entronizada em terno pedestal
a verve taciturna de tu’alma

Teu olhar estético, estático
Teu falar pálido, cálido
Teu pensar absorto, absurdo
Teu tédio esguio, estio

Alcançar-se-ia eterna beleza
se ainda respirasse?
Lançar-me-ia em sangrenta incerteza
se teu lânguido corpo eu não mais velasse

Não apenas és minha em Marienbad
cultuo-te, louvo-te
És também minha em Frederiksbad
aos poucos, sorvo-te

Dos séculos eternos serás simulacro
o teu fulgor a pura arte evoca
Não obstante de esplendor sacro
dotada é tua existência morta



Vinicius Soares

quinta-feira, 15 de julho de 2010

"El Conde"


Os ventos uivam ao redor do conde...
No alto, a noite esconde os esplendores...
Gládios e facas vão-lhe abrindo, aos montes,
O sortilégio de sombrios amores...

Nada restou, o espelho se partira!
Ao longe, pios ouvem-se freqüentes...
De pé, e usando um broche de safira,
Deseja alguém em quem cravar os dentes!

A fronte dura e álgida rebrilha
Ao lamentar aquelas salas frias,
Os aposentos que seus pés percorrem...

E quando ouve os lobos da matilha,
Suporta em vão a tocha de agonias
Enquanto suas esperanças morrem...



Fernando MB

terça-feira, 13 de julho de 2010

"El Desdichado"


Bebeu de um gole a taça de conhaque
Ruflou sua capa ao sabor dos ventos
Na escuridão, um velho almanaque
Continha os cânticos de seus tormentos...

"Ó Deus! o fado de suas criaturas
É não saber, na errância, do porvir
Quisera o Céu, em suas ondas mais puras
Não ter deixado minha alma partir!"

Percorre, assim, as ruas, toda noite
Com seu rubi e seu anel de prata
A encontrar, nas frestas, o açoite...

No beco escuro, pela madrugada,
Vai saboreando os transes do martírio
Roçando os lábios no frescor de um lírio...



Fernando MB