sábado, 11 de setembro de 2010

Perfume


Doce aroma suave como um sonho
e letal como um veneno cigano.
Busco-te raro em um afã medonho
e afogo-me num prazer de oceano.

À tua emanação pura e dolente,
sinto os olhos baços. Em arrepio,
ao mais íntimo do homem, seguem-te
minhas narinas em pleno delírio.

Exalação forte como pilastra
de um templo antigo dentro de minh'alma,
feito um fogo que em meu corpo se alastra.

Por ter como Ideal a Perfeição,
dilacera-me a carne esta paixão,
qual verme a tragar-me com atroz calma.

domingo, 5 de setembro de 2010

UBER


Quando te vejo lânguida sob a lua, ó Beleza estéril,
neste afeto pagão, que de ti implora nobreza,
sinto estalar no peito, qual lira etérea e pueril,
uma majestosa repulsa alheia à natureza.

Quando te espero passar, em imundície velada,
suponho que é a tua alma infame,
que exala essa emanação encantada.
E eu, ébrio de paixões, suplico-te que me ame.

Quando, de súbito, esgueirando-se lúbrica,
como gata no cio, tu me fitas,
com olhos de Medusa, tua finalidade única
é enlevar-me a alma e a lucidez, de ti cativas.

Quando me entrego à influência malígna
de tua Volúpia a enlaçar-me como serpente,
preso às flores do Mal de que és insígnia,
adivinho o vil intento de tua sórdida mente:

"Quando te persigo neste afã que comigo trago,
o teu frescor é o meu desejo, jovem mancebo,
com ares de Judite transfigurada, meu doce apaixonado,
arranco-te o coração e dele, o sangue bebo."

* Tela Judite e Holofernes de Caravaggio

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

aliá




Eis ela que de grandeza sonolenta
contrapõe-se aos princípios da estética
facetas rubras, arrasta-se atenta
nas ruas cheias, farta beleza cética

Fulgura nos bailes sem receio
de vozes estultas com críticas grotescas
tem por si amor como chama em seco centeio
na alma, vontades nada pitorescas

Inspiradora de poetas trapeiros
musa de sibaristas macabros
procrastina arrepios, devaneios
em seus pesados braços de alabastro

Clamo a ti para saciar-me de auras
para em Fontenay experimentar a fartura
vinda de tua existência que sobeja gauras
tendo urros inebriados de loucura

Vinicius Soares

* tela: "Beauty" Boris Kustodiev (1915)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

lune



Ai de mim que na alcova
contempla a fria Pérola alva
a esgueirar-Se no manto negro manhosa
Oh Deusa noturna que amantes salva

Ai de mim que de tosca e vil distância
enamora a Medéia crepuscular
as estrelas que Te seguem bem sabem a infâmia
que causei no recôndito, a contemplar

Ai de mim que persevera em tal grandeza
ideal inalcançável, spleen’s intermitentes
conservarás eternamente Tua beleza
enquanto de velho hei de ver cairem-me os dentes

Ai de mim que no possesso almeja esperanças
do amar-Te, beijar-Te com prazer
bem sabem os ébrios, andarilhos e crianças
que esfumaças-Te ao amanhecer


 Soares

quarta-feira, 21 de julho de 2010

À l'hotel blafard


- Simulacro de um simulacro - pensei,
ao ver teu braço de mármore,
presa nos espelhos da memória,
bela e fria como uma flor de estufa.
Por muito tempo te procurei:
em portas atrás de portas, em salões vazios,
em corredores sombrios, decorados ao gosto de uma outra época,
em câmaras labirínticas dentro de meus nervos túmidos.
Somos como duas estátuas
desconhecidas,
perdidas,
no vazio
de um jardim
suspenso e esquecido.
E que, em outra vida, ainda
choram a paixão apenas sonhada.
Num espetáculo estático, vozes sonolentas me sussurram
sons sôfregos e insensatos, cujos donos são fantasmas noctâmbulos que,
subitamente, de espanto são mudos.
Qual a decoração
inerte,
perene,
cadente,
eles me espreitam,
sombrias sombras,
feitas de querubins de marfim
com folhas mortas e rosas enrodilhadas
em botão, como pequenos cérebros apodrecidos, nesse hotel taciturno.
Filhos deste odioso castelo de uma época distante,
silencioso como um túmulo.