sábado, 9 de outubro de 2010

Brujería


Velas acesas, em meio ao cruzeiro
Ele ajoelha-se, o rosto contrito
A conjurar com seus traços riscados
Cabalas sáfaras de um velho rito

A dama loura sai de seu sarcófago
Vai passear no chão do cemitério
Vem sequiosa, qual onça no cio
Na altivez de seu esplendor funéreo

Lábios proferem orações em rima
Tridente em punho, a dama se aproxima
À meia-noite, na hora aprazada

E ele treme, em ondas de desmaio
E cai, como atingido por um raio
E de sua boca sai uma gargalhada


Fernando MB


* Quadro: Dante Gabriel Rossetti, "Lady Lilith" (1868)


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Rapsódia


Dentro da noite, em graves rapsódias
Em mim resvalas, a me beber lepidamente
A passear tua pele em minha pele
A desfolhar, suavemente, as minhas pétalas

Sarças de fogo queimam com doçura
A açular os cães que sempre caçam, lestos
No ermo das florestas, prenhes de mugidos

Quanto a mim, enfim sigo sepultado
Entre penumbras, nas garras tremendas
Em suspiros naufrago, e novamente morro

Anjos explodem, caem pelos céus
Faunos gargalham, trocam seus anéis
Centauros trotam, soltos nos abismos
Mármores racham, cerram os mausoléus


Fernando MB


*Quadro: Odilon Redon, A Carruagem de Apolo (1910)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A palavra nua



Escrevo por linhas indecisas
em folhas feitas de tempo.
O verso tem a força de um sonho.
A dor é profunda como a noite.
O sofrimento é lento e brando.
O meu amor é o amor do mundo.
O meu medo é o medo do mundo.
Dentro, a fome, a falta, o sussurro.
Fora, a fúria, a farsa, o princípio.
E, no meio, a palavra nua.

Matiz


Uma morenice longínqua
Me acometeu
Contemplativo erro
As águas mediterrâneas
Imemoriais me avistam
No matiz terracota
O sexo aquarelado
Extático barco
Corpo sagrado singro
No mesmo lugar
A Virgem
O pagão
Sangram


José Heronides

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Luxe



V e r s o s s o l t o s, f i n o s. De pedras, c o l a r.
A riqueza que me banha
Sutilezas, artimanhas,
Sedução, lástima, devoção, odor de minhas entranhas.


V e r s o s r a r o s. De rubis, c o l a r.
Basbaques que carreguem a caleça
De diamantes, que eu ornada amanheça
O mover de meu ventre traz do profeta a cabeça.


V e r s o s n o b r e s. De jaspe, c o l a r.
Que banhem-me em pétalas de ouro os eunucos
Sob minha ávida e pura altivez, os tolos, os estultos
Eu, fatal, sacerdotisa e pitonisa, dona de todos, dona de mundos.


V e r s o s o r n a d o s. De safiras, c o l a r.
Meus lábios rubros,sangrentos, nada proferem
Encarcero nas garras felinas manhosas os que me querem
Voz fêmea, Lilith, Salambô, Cleópatra, Vênus, Salomé, Natássia, que me venerem.


V e r s o s s u b l i m e s. De esmeraldas, c o l a r.
Eva, máter, Shiva, Pandora
Servo, escravo, o homem prostrado, adora, implora
Amores loucos, infindos. Rainha, deusa, Jezabel, Flora.


V e r s o s l e v e s, aterradores. De pérolas, c o l a r.
Debruço morosa, sacra, santa, retumbante, em cortejos vis
Devaneios sensuais, sussurros, prazerosos, suculentos, escassos, anis
Gueixa inebriante, posta em pedestal, senhora de si, animalesca, loba, amante, meretriz.


Soares


*foto: Oscar Wilde

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Las Vampiresas



A sombra morro-porque-não-morro ilumina

Suas partes escuras não estão assim encovadas

A las vampiresas les amam hacerla sufrir

Por supuesto la sangre vital les faltan

Aunque se le ocurran las películas más raras

O cinematógrafo refazendo a capital imperial

A não acertar em cheio as telhas feridas nas coxas

Porque a cidade se modernizou e não perdeu

A alma apesar do bota-abaixo, resiste

Não foi possível sanear os subterrâneos

Com as deusas e deuses clamando por saciedade

À mesma medida que nascem nos outros a morte

Que não limitam a minha, a tua fome

A lua no cinematógrafo muda em preto e branco

Cada matiz de vermelho de bom gosto

O corpo a pedir mais em nome da legião faminta

De novidades e reencarnação tu regozijas

Ao sabor das cortesãs de sempre.



José Heronides

domingo, 3 de outubro de 2010

ENCANTAMENTO



Em uma estelar tarde ornada de sonhos,
cintila o alvo cristal do mistério
com vazios raios difusos e mornos,
dentro da pele e da alma sem critério.

Sensação de cometas sobre espáduas,
estrelas pontiagudas como espadas
ferem o corpo do céu desmaiado
e tombam flores lânguidas de Maio.

Há uma névoa misturando o ar úmido,
como a linda nebulosa andaluz
dentro da veia de um vento túmido.

Dentro, antigas Sibilas sinuosas,
feito grandes esfinges orgulhosas
marcham rumo a um êxtase de luz.