quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Matiz


Uma morenice longínqua
Me acometeu
Contemplativo erro
As águas mediterrâneas
Imemoriais me avistam
No matiz terracota
O sexo aquarelado
Extático barco
Corpo sagrado singro
No mesmo lugar
A Virgem
O pagão
Sangram


José Heronides

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Luxe



V e r s o s s o l t o s, f i n o s. De pedras, c o l a r.
A riqueza que me banha
Sutilezas, artimanhas,
Sedução, lástima, devoção, odor de minhas entranhas.


V e r s o s r a r o s. De rubis, c o l a r.
Basbaques que carreguem a caleça
De diamantes, que eu ornada amanheça
O mover de meu ventre traz do profeta a cabeça.


V e r s o s n o b r e s. De jaspe, c o l a r.
Que banhem-me em pétalas de ouro os eunucos
Sob minha ávida e pura altivez, os tolos, os estultos
Eu, fatal, sacerdotisa e pitonisa, dona de todos, dona de mundos.


V e r s o s o r n a d o s. De safiras, c o l a r.
Meus lábios rubros,sangrentos, nada proferem
Encarcero nas garras felinas manhosas os que me querem
Voz fêmea, Lilith, Salambô, Cleópatra, Vênus, Salomé, Natássia, que me venerem.


V e r s o s s u b l i m e s. De esmeraldas, c o l a r.
Eva, máter, Shiva, Pandora
Servo, escravo, o homem prostrado, adora, implora
Amores loucos, infindos. Rainha, deusa, Jezabel, Flora.


V e r s o s l e v e s, aterradores. De pérolas, c o l a r.
Debruço morosa, sacra, santa, retumbante, em cortejos vis
Devaneios sensuais, sussurros, prazerosos, suculentos, escassos, anis
Gueixa inebriante, posta em pedestal, senhora de si, animalesca, loba, amante, meretriz.


Soares


*foto: Oscar Wilde

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Las Vampiresas



A sombra morro-porque-não-morro ilumina

Suas partes escuras não estão assim encovadas

A las vampiresas les amam hacerla sufrir

Por supuesto la sangre vital les faltan

Aunque se le ocurran las películas más raras

O cinematógrafo refazendo a capital imperial

A não acertar em cheio as telhas feridas nas coxas

Porque a cidade se modernizou e não perdeu

A alma apesar do bota-abaixo, resiste

Não foi possível sanear os subterrâneos

Com as deusas e deuses clamando por saciedade

À mesma medida que nascem nos outros a morte

Que não limitam a minha, a tua fome

A lua no cinematógrafo muda em preto e branco

Cada matiz de vermelho de bom gosto

O corpo a pedir mais em nome da legião faminta

De novidades e reencarnação tu regozijas

Ao sabor das cortesãs de sempre.



José Heronides

domingo, 3 de outubro de 2010

ENCANTAMENTO



Em uma estelar tarde ornada de sonhos,
cintila o alvo cristal do mistério
com vazios raios difusos e mornos,
dentro da pele e da alma sem critério.

Sensação de cometas sobre espáduas,
estrelas pontiagudas como espadas
ferem o corpo do céu desmaiado
e tombam flores lânguidas de Maio.

Há uma névoa misturando o ar úmido,
como a linda nebulosa andaluz
dentro da veia de um vento túmido.

Dentro, antigas Sibilas sinuosas,
feito grandes esfinges orgulhosas
marcham rumo a um êxtase de luz.

sábado, 11 de setembro de 2010

Perfume


Doce aroma suave como um sonho
e letal como um veneno cigano.
Busco-te raro em um afã medonho
e afogo-me num prazer de oceano.

À tua emanação pura e dolente,
sinto os olhos baços. Em arrepio,
ao mais íntimo do homem, seguem-te
minhas narinas em pleno delírio.

Exalação forte como pilastra
de um templo antigo dentro de minh'alma,
feito um fogo que em meu corpo se alastra.

Por ter como Ideal a Perfeição,
dilacera-me a carne esta paixão,
qual verme a tragar-me com atroz calma.

domingo, 5 de setembro de 2010

UBER


Quando te vejo lânguida sob a lua, ó Beleza estéril,
neste afeto pagão, que de ti implora nobreza,
sinto estalar no peito, qual lira etérea e pueril,
uma majestosa repulsa alheia à natureza.

Quando te espero passar, em imundície velada,
suponho que é a tua alma infame,
que exala essa emanação encantada.
E eu, ébrio de paixões, suplico-te que me ame.

Quando, de súbito, esgueirando-se lúbrica,
como gata no cio, tu me fitas,
com olhos de Medusa, tua finalidade única
é enlevar-me a alma e a lucidez, de ti cativas.

Quando me entrego à influência malígna
de tua Volúpia a enlaçar-me como serpente,
preso às flores do Mal de que és insígnia,
adivinho o vil intento de tua sórdida mente:

"Quando te persigo neste afã que comigo trago,
o teu frescor é o meu desejo, jovem mancebo,
com ares de Judite transfigurada, meu doce apaixonado,
arranco-te o coração e dele, o sangue bebo."

* Tela Judite e Holofernes de Caravaggio

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

aliá




Eis ela que de grandeza sonolenta
contrapõe-se aos princípios da estética
facetas rubras, arrasta-se atenta
nas ruas cheias, farta beleza cética

Fulgura nos bailes sem receio
de vozes estultas com críticas grotescas
tem por si amor como chama em seco centeio
na alma, vontades nada pitorescas

Inspiradora de poetas trapeiros
musa de sibaristas macabros
procrastina arrepios, devaneios
em seus pesados braços de alabastro

Clamo a ti para saciar-me de auras
para em Fontenay experimentar a fartura
vinda de tua existência que sobeja gauras
tendo urros inebriados de loucura

Vinicius Soares

* tela: "Beauty" Boris Kustodiev (1915)