quarta-feira, 21 de julho de 2010

À l'hotel blafard


- Simulacro de um simulacro - pensei,
ao ver teu braço de mármore,
presa nos espelhos da memória,
bela e fria como uma flor de estufa.
Por muito tempo te procurei:
em portas atrás de portas, em salões vazios,
em corredores sombrios, decorados ao gosto de uma outra época,
em câmaras labirínticas dentro de meus nervos túmidos.
Somos como duas estátuas
desconhecidas,
perdidas,
no vazio
de um jardim
suspenso e esquecido.
E que, em outra vida, ainda
choram a paixão apenas sonhada.
Num espetáculo estático, vozes sonolentas me sussurram
sons sôfregos e insensatos, cujos donos são fantasmas noctâmbulos que,
subitamente, de espanto são mudos.
Qual a decoração
inerte,
perene,
cadente,
eles me espreitam,
sombrias sombras,
feitas de querubins de marfim
com folhas mortas e rosas enrodilhadas
em botão, como pequenos cérebros apodrecidos, nesse hotel taciturno.
Filhos deste odioso castelo de uma época distante,
silencioso como um túmulo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

L'amour




Exumo com afinco teu sorriso perenal
de arcada branca perolada
Deixo entronizada em terno pedestal
a verve taciturna de tu’alma

Teu olhar estético, estático
Teu falar pálido, cálido
Teu pensar absorto, absurdo
Teu tédio esguio, estio

Alcançar-se-ia eterna beleza
se ainda respirasse?
Lançar-me-ia em sangrenta incerteza
se teu lânguido corpo eu não mais velasse

Não apenas és minha em Marienbad
cultuo-te, louvo-te
És também minha em Frederiksbad
aos poucos, sorvo-te

Dos séculos eternos serás simulacro
o teu fulgor a pura arte evoca
Não obstante de esplendor sacro
dotada é tua existência morta



Vinicius Soares

quinta-feira, 15 de julho de 2010

"El Conde"


Os ventos uivam ao redor do conde...
No alto, a noite esconde os esplendores...
Gládios e facas vão-lhe abrindo, aos montes,
O sortilégio de sombrios amores...

Nada restou, o espelho se partira!
Ao longe, pios ouvem-se freqüentes...
De pé, e usando um broche de safira,
Deseja alguém em quem cravar os dentes!

A fronte dura e álgida rebrilha
Ao lamentar aquelas salas frias,
Os aposentos que seus pés percorrem...

E quando ouve os lobos da matilha,
Suporta em vão a tocha de agonias
Enquanto suas esperanças morrem...



Fernando MB

terça-feira, 13 de julho de 2010

"El Desdichado"


Bebeu de um gole a taça de conhaque
Ruflou sua capa ao sabor dos ventos
Na escuridão, um velho almanaque
Continha os cânticos de seus tormentos...

"Ó Deus! o fado de suas criaturas
É não saber, na errância, do porvir
Quisera o Céu, em suas ondas mais puras
Não ter deixado minha alma partir!"

Percorre, assim, as ruas, toda noite
Com seu rubi e seu anel de prata
A encontrar, nas frestas, o açoite...

No beco escuro, pela madrugada,
Vai saboreando os transes do martírio
Roçando os lábios no frescor de um lírio...



Fernando MB


sábado, 10 de julho de 2010

A carne

Por muito tempo venho pensando sobre o escuro leito de minha alcova no ato de viver.
Não o conceito em si, mas como realmente atuá-lo.
Como se fosse algo de dentro de minha carne, eu processo a vida nas entranhas de minhas glândulas mortas. Sem rubor, sem pudor, eu contemplo horrorizada o efeito desse mecanismo no processo de minha putrefação.
Doo-me suavemente à tentação do Nada.
Se a vida se alimenta de mim, eu me alimento da morte e o verme, da minha carniça.
O meu sangue é o mais fino vinho, e o meu corpo é o banquete nupcial.
Que a noite seja nossa testemunha.
Venha, ó senhor dos túmulos, meu noivo, meu amigo, consumir-me a dor, a paixão, o ventre, os olhos. Venha infunfir-me teu veneno. Venha consumir-me a carne.
Venha, pois nossa única certeza é a morte, e na arte cênica de atuarmos a vida somos maus atores.