domingo, 23 de janeiro de 2011

Cantigas modernas I


Ai flores, ai flores do verde plástico!
Sabeis notícias de nosso humor cáustico!
E ai, onde estará?

Ai flores, ai flores do verde Rubem Fonseca!
Sabeis notícias de nossa prosa tão seca!
E ai, onde estará?

Ai flores, ai flores do verde Macunaíma!
Sabeis notícias da moderna Literatura Brasileira!
E ai, onde estará?

Ai flores, ai flores da verde mata hierática!
Sabeis notícias de nossa veia poética errática!
E ai, onde estará?

Ai flores, ai flores do verde-podre do rio obstruído!
Sabeis notícias de nosso Drummond tão querido?
E ai, onde estará?

Ai flores, ai flores da verde paciência!
Sabeis notícias de nossa machadiana inteligência?
E ai, onde estará?

Se sabeis, ó flores da verde energia!
Contai-me, pois, para sanar essa minha nevralgia!
E ai, onde estará?

Se sabeis, ó flores das verdes tardes nostálgicas!
Contai-me, pois, para sanar minhas cólicas bucólicas!
E ai, onde estarão?

Elle


Ela,
ornada pela Natureza.
Ela,
envenenada pelo Amor.
Ela,
filha da Beleza.
Ela,
morta pelo Rancor.
Ela,
divina pela Candura.
Ela,
amada por Terpsícore.
Ela,
amaldiçoada pela Loucura.
Ela,
couvert par le D 'or.
Ela,
consumida pela Arte.
Ela,
condenada pela Fé.
Ela,
tomada por Baluarte.
Ela,
eterna Salomé.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Revelação



Olhando-se no espelho reluzente
O homem nu deslumbra-se com a imagem
Da robustez de sua carne fremente
E do olhar que lhe devolve a miragem...

Acaricia sua pele nua
Arrastado por lúbricos anseios
Enquanto, a tudo, do alto assiste a lua
Deliciando-se e apertando os seios...

As estrelas não agüentam e se escorrem
Em chuvas rutilantes de vermelho
Que brilham e que caem e que morrem...

E o homem, num assomo de langor
Não se conteve e abraçou no espelho
Todo o delírio de seu grande amor...

Fernando MB


* Ilustração: "On Death, Part II: The Philosopher" (1910), por Max Klinger (1857-1920)

domingo, 9 de janeiro de 2011

O AMOR SEGUNDO SÓCRATES


Do que dissemos, atingimos a quarta espécie de delírio, sim do delírio:
quando, vivendo neste mundo, consegue-se vislumbrar alguma coisa bela.
A alma recorda-se então da beleza real, recebe asas e deseja subir cada vez
mais alto, como se fosse uma ave. Impossibilitada de conseguir, negligencia
as coisas terrenas, assim dando a parecer que não passa de um louco! (...)
Por isso se costuma também dizer que os possuídos por este entusiasmo
se designam por amantes.
(In Fedro, Guimarães Editoras, trad. Pinharanda Gomes, 1989.)



Se é são, eu não digo.

Se bem digo, desconheço.

Se conheço, ignoro.

Se ignoro, não justifico.

Se completa, me alucina.

Se alucina, me descuido.

Se contemplo, me inspira.

Se inspira, me ignora.

Se ignora, nada diz.

Se não diz, não conheço.

Se conheço, eu não digo.

Se não digo, não é são.

Se é são, eu não digo.





Eros e Psiquê - Escultura de Antônio Canova, no Museu do Louvre, em Paris.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

l'homme "fatale"



Nem os arregaços de Carmilla são melhores
Os suspiros sensuais de Mircalla são menores
Micarlla e seus sussurros? Apenas pormenores
Millarca e sua palidez fútil, somem em arredores

Eu, nunca.

Não houve criatura de face sensual
que no ensejo da vida fosse tão natural
quanto minha aura salaz de fogo magistral
olhos hipnotizadores, impudicos, alma doce e bestial

Eu, sempre.

Dê-me, cara donzela, sua boca seduzida de lábios desejosos
Dar-te-ei meu tenro beijo, lúbrico, de lábios ansiosos
Transformar-te-ei em arte libertina, ambos voluptuosos
Provarei ter superioridade concupiscente, dentes libidinosos.

Eu, oupire.



Soares

foto: Tilda Swinton no filme Constantine, 2005.


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Gárgula



Vós que ris dos próprios tormentos
que ornam de cores as torpes desgraças
adejando sorrir dos mais vis lamentos
lábios escancarados, gargalhadas devassas

plebe fútil, tosca, ignóbil, odiosa
de sonhos épicos e obviedades em par
multidão de moral leve e tão majestosa
quanto palácios de areia erigidos frente o mar

infeliz, eu, que em triste vida
vi-me cercado de figuras tais
no âmago corroi-me essa chaga, ferida
que rubra e pútrefa, provoca-me ais

Vocifere! Epopéia maldita! Grotesca completude!
Dance o bovarismo incongruente, insatisfeito em sua ruína
Clame ao transcentende surdo sua sacietude!
Pois ao longe verei tua desgraça, devorada por aves de rapina


Soares


tela: "Wounded Bird and Cat" Pablo Picasso, 1939

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Negrume


do alto olhei e vi
um poço medonho, fastidioso
o pêndulo mortal estava ali
bem como um gato negro manhoso

corvos obscuros revelavam segredos obtusos
a aldeia vociferava o arrastar-se de ideias
procelas que arrebentavam barcos moribundos
confundiam-se com o horror de negras aleias

orangotangos ululavam segredos macabros
envoltos de indecifráveis emblemas
besouros e caveiras, sopros e pigarros
de uma alma instável para com os seus dilemas

Poe, perambulante, focava mistérios
retratava olhares, risos soturnos
ornava segredos e cemitérios
retratava olhares, risos imundos

conta-me o ardor dessa ciranda
que dança ao escutar Puccini
és melancólica e leviana
és trágica e sublime 


Soares