quinta-feira, 5 de maio de 2011

Marília de Drácula



Eu, Marília, não sou algum santo,
que viva a rezar em genuflexório;
De rezas rasas, d'amla e recanto,
dos coros sacros, de terço notório.
Tenho tez sepulcral, e nela me louvo
Dá-me tu, tu'alma, pavor, finitude
Das brancas pias tiro o vigor, a virtude
E mais as boninas maldosas, que sorvo.
Graças, Marília parva,
Graças à minha Escrava!



Marília, meus dentes
São réus e culpados,
Que sofra, e que beije
Os lábios arcados
Que a Ti atiro
Marília, escuta
seu amo, Vampiro.



Minha bela Marília, sou eterno;
Tua sorte é fútil, ignóbil e pecita;
Se a ventura aos males excita,
É ela beata de tolos, gélido inferno.
Estão os mesmos Deuses
seduzidos ao poder do imanente
Zeus, que se encatava com as mortais
Nunca quis ser permanete

A devorante mão negra da Morte
acaba de roubar-me de Ti;
Até na triste sepultura hei de rir
Zombar da tua inconstante sorte.




soares


*Este poema foi estruturado a partir dos versos do poema Marília de Dirceu de Thomás Antônio Gonzaga, um dos poetas do Arcadismo.

*foto, filme Drácula (1931)



terça-feira, 26 de abril de 2011

InConstanza




Do que quero
nada espero
refestelo
com esmero
tudo é vago, tudo é vero
tudo é nada
Do que quero
nada espero
vago é tudo, vago é vero
se me vejo, me espero
tudo é névoa
Do que quero
nada quero
se me névoa, não me vero
vejo vago, refestelo
tudo todo
tudo espero
Do que tudo
nada vago
vejo quero
refestelo
nada tudo
névoa mudo
vejo vero
vago espero
tudo nada
refestelo
quero nada
todo esmero
tudo vejo
tudo vero
vejo névoa
vivo vago
do que tudo
Do que quero


soares

*tela: Erika Baptista, 2010

quinta-feira, 14 de abril de 2011

désir...





Venha amado, submergir em nossas covas
Seu rosto em plinto me desperta as alcovas
Um fustão rubro que amanhece ideias novas
Salamandras horríficas, zebus, chidovas...

Bel prazer
Vil romper
São arder
Mui ranger
Hei sorver

Venha amado, jazer em alteridades ascidiosas
alegorias vampirescas, Íncubus, mortes dolorosas
melancolias perversas, Súcubus, hostes pavorosas
Venha amado, refestelar-se em Flores dispendiosas

Bel romper
Vil sorver
São ranger
Mui prazer
Hei arder

Eis-me, amado, preso às vinhetas dos hostis encantos
Sou teu, simulacro. Sou teu, nos portentos sacrossantos
Eis-me, amado, preso em furnas póstumas, aos prantos
Sou teu, cadáver. Sou teu, em ruínas sádicas, vis antros


soares
*foto: Katarzyna Koniekzca

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Velida



amores ey

em cada esquina de Vigo, gania, ululava
berros, espelhos, cátedras, eunucos, penetrava
falos, medos, jóias, ardores, gozos, drapejava

amores ey

Saciar-se-ia com outra amada os ares?
Transgrediria pia ante o dogma fugaz?
Sagrada louçana és ante ideais tenazes...
Sagrada louçana és ante meus ideais...

amores ey


Soares


*foto: Katarzyna Koniekzca

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Epifania da Lua



A Alphonsus de Guimaraens


Segundos seculares de tormento,
pela espera que macula a alma.
Obsessão que rejeita argumento
deste fulgor prateado que me salva.

Junto à bruma espessa eu aguardo.
No sangue o langor dos semi-loucos.
Pela áurea inspiração do bardo,
do crepúsculo que te traz aos poucos

Vai, sobe, sobe e reina absoluta,
nos olhos de quem te reverencia.
Vem, brilha, brilha e seja impoluta,
para seus servos no transe da magia.

Lua ebúrnea, de veneno e antídoto.
Céu augusto, de sonho e profecia.
Catarse na cantiga aos devotos,
luz sombria, sublime epifania.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A terrível estória de Glória


Era uma vila estranha e taciturna.
Assim diziam os antigos moradores do local.
Seres cadavéricos, moribundos, de horrível turba,
à noite sussurravam à espreita de algum mal.

As casas mais pareciam mórbidos caixões,
plantados na terra crua como cruzes em um cemitério,
deixavam entrever grandes e sombrios porões,
lugares sagrados para martírio e mistério.

Ungidos por uma religiosidade pagã,
os habitantes reuníam-se a cada terceira Terça
para celebrarem sua cultura mátria e anciã,
oferecendo punição severa a todo aquele que a mereça.

Somente a dama das águas floresceu
nesta terra longínqua e inóspita.
De terrores e medos alimentou-se e cresceu
a mais bela mulher, que pela Terra passou, intacta.

Glória, menina e senhora, em seus dezesseis anos,
tão fresca e suave como alvos lírios.
Sua pele, uma límpida seda tecida por Eros.
Seus lábios, doces romãs, belos como círios.

A jovem vivia, distraída, os dias de um verão largo.
À noite, ia para seu secreto esconderijo:
um majestoso lago às margens de um alto penhasco.
E dançava, e cantava, sob a luz da Lua, como num rito.

Em sua companhia estava sua terna e eterna amiga,
Tereza, e com ela inventava muitas estórias.
Contavam parábolas, sonhavam e faziam rimas.
Juntas descobriam da natureza, as suas magias.

Porém, Tereza, a menina de cabelos de fogo.
Das outras jovens era muito diferente,
e recusava-se a seguir os comandos de todos.
Gostava da mata, do lago, da Lua, distantes daquela gente.

Tereza e Glória pensavam em correr e fugir.
Tereza, muitos acusavam de bruxa, feiticeira,
por ser livre, independente e a natureza seguir.
Até que um dia, a ela anunciaram a hora derradeira.

Tereza capturaram e prenderam, covardes!
Glória em desespero e agonia, do penhasco se atira...
e seu corpo tão alvo, sob a luz da Lua, em claridades,
adormece, no lago, ao lado de Tereza enforcada e tão branca...


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Cisne Negro




Sempre hei de me lançar
em languidez inveterada
Sei que da sensualidade nascerá
uma tez sacramentada

encantos que me cobrem em tenaz orgia
vindos do salaz onírico fogo
banham minh’alma vampira
que tanto engana, em volúpia, o príncipe tolo

na pureza de trevas hipnóticas, devassas
adentro e reino em um baile fosco
a sensualidade minhas negras penas arfa
sou dona, rainha, de um mundo tosco

Sempre hei de me lançar
em languidez inveterada
Sei que da sensualidade nascerá
uma tez sacramentada


Soares


* Natalie Portman, Black Swan, de Darren Aronofsky